terça-feira, julho 17, 2007

As Novelas da TV e o Cotidiano do Trabalho de Arquitetura














Rio de Janeiro, 20 de Julho de 2006
Por Barbara Prado

Reflexões a partir de uma novela brasileira sempre nos dão a impressão de que nada poderia ser mais alienado. Diria mesmo que, muitos de nós nem pensaríamos que é possível pensar algo sobre o que há nas novelas. Pensar na novela das oito, que começa às nove horas, pode parecer mesmo uma grande perda de tempo. Mas pode significar também que sendo cultura, e inegavelmente no Brasil a televisão é cultura, que como tal faz moda, educa e deseduca, exerce controle e descontrole social, e acima de tudo leva ao público informação direta e subliminar. E são estas questões que levam a reflexão.

Para situar melhor, contarei alguns fatos dos capítulos mais recentes da novela das “oito” que passa na TV Globo todos os dias. Na trama a “Zafira”, que se enrola com o borracheiro Pascoal-Gianecchini, tem um trabalho de decoradora. Já “decorou” o restaurante grego da Vitória, o restaurante japonês do Takai e agora, às voltas com seu casamento com o branquelo Fred, está dando início às obras de “decoração” do açougue da Dona Tosca. Esta a mãe do rapaz que só gagueja quando está nervoso ou perto da mãe. Sozinha, Zafira já está revitalizando uma rua. Muito louvável da parte de Zafira, mas convém lembrar que Zafira é “decoradora” e é da Globo. E a Globo tudo pode.

A “decoradora” pode até derrubar paredes para dar mais espaço ao restaurante grego, pode fazer o projeto de iluminação dos restaurantes grego e japonês, pode fazer o projeto de paisagismo numa área pública, bem na esquina entre uma rua bem inclinada e a rua da Zafira. Pode fazer também o projeto de instalações hidro-sanitárias para o restaurante grego, onde tem o balcão de trabalho da mulher de Murat, a Katina – cozinheira do restaurante. Pode também trocar os revestimentos e coordenar os trabalhos de execução da obra. E tudo isso sem ter as respectivas e legais atribuições dos arquitetos ou técnicos especializados.

A audiência da Globo, nessa novela, em 17 de maio de 2006 alcançou um índice de 63 pontos. Isto significa que, de acordo com as duas metodologias tradicionais de pesquisa que o IBOPE utiliza, a do Peoplemeter e do Caderno, cerca de 3500 casas em dez regiões do país, ou em mais 100 praças (conforme as necessidades do cliente) tiveram acesso a essa novela e as informações por ela transmitidas.

É bom esclarecer que o método Peoplemeter, diz respeito aos aparelhos instalados em domicílios que transmitem ao IBOPE dados sobre emissoras e sua programação automaticamente quando acessados. Fica medindo as formas de recepção VHF, UHF, Cabo, DTH, VCR de até quatro aparelhos por domicílio. O outro método é o Caderno, que é a medição de audiência informada pelo telespectador.

Como esta amostra é representativa e considerando que boa parcela da população brasileira tem televisão em casa, é mesmo para se refletir sobre como são divulgadas as coisas em nosso país e quantas pessoas tem acesso a elas.

Muito interessante é observar na mesma novela que para os problemas da vedete Guida Guevara o japonês Takai foi buscar um advogado para responder as suas dúvidas. Tudo bem que é um advogado caricato, que fala japonês e nenhuma palavra em português, mas conhece toda a legislação brasileira. Também a vedete Mari Montilla tem lá o seu advogado Dejulian para assessorar nas questões amorosas e judiciais de um contrato. É bem verdade também que no caso do médico que arrumaram para tratar dos males da Júlia, as coisas foram mais graves. Se o médico não tivesse se suicidado, bem mereceria uma “boa cana” e uma punição exemplar pelo CRM, dado o imoral diagnóstico e tratamento aplicado à heroína da estória. Mas estas circunstâncias não representam de modo geral em nossa sociedade, dúvidas sobre a necessidade de assessoramento especializado. O grande problema é que todo mundo sabe construir, reformar e projetar nesse país. Parece que é senso comum chamar um amigo ou amiga de “bom gosto” ou “chic”, ou o seu Zé Mané da esquina, que entende muito de construção para fazer os serviços técnicos na área da construção.

O que parece sempre acontecer primeiro, é que chamar as “Zafiras” para resolver tecnicamente as questões do construir e projetar, é sempre a opção indubitável. A vantagem é que a Zafira da novela trabalha na Globo. A desgraça urbana é quando chamam as Zafiras que não trabalham na Globo, que transformam a paisagem da cidade num verdadeiro caos. Transformam por exemplo boa parte da cidade do Rio de Janeiro, de São Luís, de São Paulo ou qualquer outra cidade brasileira num amontoado de tijolos e telhas que juntos formam os puxadinhos e casebres onde a vida urbana se torna carente de habitabilidade, segurança e bem estar. Se a arquitetura e a engenharia têm que ser democratizadas e valorizadas nesse país, devem também responder a sua função social.

Tudo bem que uma novela é uma estória escrita para divertir, alienar e vender. Mas também é informação e no caso do trabalho profissional em arquitetura tem se mostrado uma má informação. Afinal a televisão poderia desempenhar melhor seu papel.

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