quarta-feira, setembro 28, 2011

Porque os Brasileiros ainda não consomem BOA ARQUITETURA?



Lendo dia desse o ex-presidente da UIA, Gaetan Siew, comecei a pensar sobre o número de arquitetos hoje no mundo. São cerca de 500.000 distribuídos nos cinco continentes. Em média pode representar que existe um arquiteto para cada 13.500 habitantes.

Essa conta começa a explicar a monotonia das nossas cidades brasileiras, e especialmente das cidades do Maranhão.

Aqui, no Maranhão, poderíamos achar que, em função de nossa população, seriam suficientes os 450 arquitetos do Estado, já que, formamos uma população de quase 6.000.000 de maranhenses. Porém o contexto de nossa realidade indica que para os nossos 217 municípios, seriam necessários minimamente 3 arquitetos por município. Isso, para desempenhar as funções de, vá lá: um secretário de Urbanismo, um analista de Projetos de Habitação e Urbanismo nessas Prefeituras Municipais e pelo menos um arquiteto trabalhando para atender os clientes das cidades do Maranhão. Isto seria mínimo mesmo, beirando à insuficiência.

Três arquitetos por município representaria de imediato, a necessidade de pelo menos 650 arquitetos atuando vigorosamente no Estado. Temos porém apenas 435, sendo que boa parte está sediada e atuando apenas em São Luís.

Essa relação bastante critica, 13.500 habitantes para cada arquiteto, nos leva a pensar não que faltam arquitetos, mas que faltarão se não tivermos uma política de difusão do trabalho profissional eficaz e criteriosa tanto na valorização, quanto na interiorização.

Justifico minha consideração com a produtividade estimada de nosso trabalho individual, a partir da minha experiência de pelo 33 anos e lembrando que entre os veteranos sou uma das poucas profissionais que aderiram integralmente ao mundo da gráfica digital ( há arquitetos que dizem ter quase 90000 projetos, mas veja isso com atenção, pois estes apenas assinam os projetos enquanto outros arquitetos permanecem anônimos. Não falo desses dois).

Independentemente do número de clientes, normalmente não elaboramos sozinhos, sem auxiliares, mais do que 4 projetos por mês em média. Com tal produtividade, talvez pudéssemos atender por ano algo em torno de 50 projetos, o que parece ser muito, até para os grandes escritórios de Arquitetura ( eu não disse mega-escritórios).

Nesta contagem, é claro que considerei não tirar férias, não gozar feriados, ter que trabalhar até altas horas e acordar muito cedo, não ficar com a família e é claro ficar sem tempo para cobrar os clientes. Também considerei que não iríamos tirar as tais dúvidas de projeto nas obras, o que seria uma tragédia para a produção arquitetônica, mas seria impossível projetar e viajar pela cidade vendo obras ao mesmo tempo.

Com 50 projetos realizados por ano, por cada arquiteto/a, precisaríamos de mais ou menos 68 anos para projetar umas 3400 habitações, para as famílias das cidades de 13.500 habitantes.

Com tais números, se não errei nenhuma das contas, aparece a questão da produção da arquitetura brasileira. E explicam os aspectos do porquê os brasileiros ainda não consomem boa arquitetura.

Suas casas ainda são de pau-a-pique ou são palafitas, suas cidades são espontâneas e mal estruturadas. As cidades quando não são totalmente espontâneas, fazem parte de implantações planejadas como tabuleiros, cuja infra-estrutura é pífia e instaladas sobre paisagens naturais arrasadas.

Formam milhares de habitações todas iguais umas as outras, tediosamente repetidas e conjugadas lado a lado, independentemente da direção da luz do sol, do vento ou ainda da visada. E são empreendimentos lançados vorazmente sobre todos os recursos naturais, como se não tivéssemos um amanhã e a paisagem fosse apenas uma folha de papel em branco.

Barbara Prado
PS1: Esse texto foi originalmente publicado em outubro de 2007, mas o tempo passa e eu também. Por isso é preciso reciclar. Essencialmente, no entanto, o texto se manteve.

Vamos revisar a Lei de Usos e Ocupação dos Solos em São Luís

-->
Em muitas cidades, ao longo de décadas, as gestões públicas dos municípios têm apostado no desenvolvimento a qualquer custo, que alicerçadas pela especulação imobiliária e pelos interesses parciais da população, têm resultado na baixa qualidade da vida urbana.

Isso lembra o que aponta David Harvey (que é um geógrafo importante na discussão contemporânea da cultura urbana): que a fome especuladora é propriamente uma prática de um modelo econômico que constrói, não importando onde e nem pretendendo uma construção compatível com a cultura ou com o ambiente onde se implanta. 

De outro lado, Peter Sloterdijk (que é um filósofo atual) diz, ao discutir sobre a cultura de massa,  que nas lutas culturais a prerrogativa deve ser a prática da justiça com os reais e verdadeiros interesses de muitos. E ao reconhecimento recusado disto ele chama de desprezo.
Isto se dá construindo imóveis com total alienação do que é tecnicamente aplicável e ambientalmente razoável, formando uma cidade que mais parede um depósito de mercadorias de morar, e muitas vezes, sequer mercadorias habitáveis. E podemos ler isso no conjunto das normas urbanísticas do município, de onde todos que nele constroem devem extrair os regulamentos para as edificações. Os alunos de arquitetura geralmente apelidam estas normas de LUBSL, numa referência ao caderno Legislação Urbanística Básica de São Luís que as apresenta.

Nesta reflexão, sobre a Lei de Usos e Ocupação dos Solos do município de São Luís, que como o de outras cidades parece bem se enquadrar nesse padrão “sem noção da cultura, do ambiente ou das questões ecológicas”, faço um enlace entre os dois autores e as normas urbanísticas, cotejando ainda aos nossos princípios fundamentais delineados na Carta Magna.
Para a construção da cidade há pelo menos quatro normas fundamentais que todas as cidades deveriam possuir a Lei Orgânica do Município, o Plano Diretor, a Lei de Usos e Ocupação dos Solos e a Lei das Construções (mais conhecida como Código das Construções).

A Lei Orgânica do Município é o documento mais importante, de sua origem, pois nele, o conjunto social que emancipa um povoado a município declara como será ele (no de São Luís consta que o meio ambiente será sempre defendido).

O Plano Diretor que define as diretrizes de manejo e expansão das áreas urbanas, industriais, comerciais e as áreas de proteção ambiental. Também define o que precisa de instrumentos normativos complementares. O de São Luís foi revisto e aprovado em 2006, porém seus demais instrumentos ainda aguardam a vontade política para sua atualização!

A Lei de Uso e Ocupação dos Solos define onde e como o município será ocupado. E a Lei das Construções define os parâmetros como segurança, salubridade entre outros necessários para assegurar aos cidadãos o direito à cidadania, à dignidade da pessoa humana, à erradicação da pobreza, entre outros, como emana da nossa Carta Magna.

Os aspectos especulativos da expansão urbana entretanto têm colidido com esses direitos, e têm influenciado na reformulação das condições lamentáveis levam a cidade como a falta de urbanidade, de segurança e salubridade perpetuando e asseverando, não só as mazelas urbanas, mas a própria pobreza de seu povo.

Hoje, quando nossos cidadãos não conseguem caminhar pelas calçadas de São Luís, ou veem o esgoto escorrendo no meio da rua, ou sentem a falta de sombra de árvores nas ruas que poderiam protegê-lo do sol, não relacionam tais fatos à lei do plano diretor ou a lei de usos e ocupação dos solos. Até acreditam que é por falta delas que sua situação cidadã não se efetiva. Mas não é assim. A falta de cidadania está no caso de São Luís escrita na lei.

Resumindo num quadro as exigências relativas às infraestruturas e equipamentos urbanos trazidas pela Lei 3.253, de 29 de Dezembro de 1992, no Art. 180 que fica assim: 

Esse quadro traduz que as obrigações de equipar a cidade não é dos agentes imobiliários, mas da municipalidade, afinal a maioria dos projetos são aprovados em pequenas parcelas, menores que 100 e 200 unidades, que desobrigam os agentes de equipar seus loteamentos, conjuntos habitacionais e condomínios.

O artigo 180 da Lei de Uso e Ocupação dos Solos de São Luís, por exemplo, é tão cruel que define, não-calçadas e passeios, não-esgoto, não-parques e praças, não- paisagismo, pois as obrigações do empreendedor imobiliário são aplicáveis após um número de unidades loteadas. Para até 10 lotes o esgotamento sanitário, não é sequer obrigação. No entanto vemos grandes aglomerados se formando na cidade de São Luís, sendo que apenas pequenas parcelas descompromissadas deles são aprovadas nos loteamentos e conjuntos residenciais.

Isto ajuda a explicar a paisagem urbana da cidade em muitas áreas, já que essa Lei de Uso e Ocupação dos Solos de São Luís admite que haja sob nossos pés o esgoto correndo nas ruas, que tenhamos que andar no meio da rua, uma vez que nossas calçadas são vergonhosamente inacessíveis e inexistentes e que as árvores, praças, parques, postos de saúde e escolas sejam totalmente ausentes na expansão, cada dia maior de nossa cidade. 

Se esse foi um modelo adaptado de outras cidades trazido até nós, ele é hoje totalmente incompatível com nossa realidade insular. Mais ainda porque impõe um ônus absurdo à prefeitura, e que acredito eu, não deve haver no mundo (terceiro mundo) um que suporte tal ônus de prover todas as infraestruturas e equipamentos urbanos que os empreendedores acabam demandando com suas especulações. A lei que precisamos precisa, por si só, ser sustentável.

Enquanto isso, no lapso da regulamentação atualizada, os prédios estão ficando mais altos, mais áreas estão sendo impermeabilizadas, e é claro mais garagens tipo continuam não sendo computadas no ATME (área total máxima edificada) das obras. Aliás no lapso até se comete uma confusão, já há muito tempo,  para aumentar a capacidade construtiva do terreno. entre ATME e Gabarito (altura da edificação). Se o Gabarito de determinada área é autorizado para 15 pavimentos, o que em princípio é dito para aquilo que está acima do nível da rua, aqui é interpretado como 15 pavimentos fora as garagens que estão fora do ATME. E assim temos edifícios com 16, 1, 18 pavimentos e sabe-se lá quantos mais. 

Esta é uma abstração que realmente eu prefiro refutar. Até porque ela contraria a Lei de Uso e Ocupação dos Solos de São Luís, a própria Lei Orgânica do Município, que prega melhor qualidade de vida ao seus cidadãos e proteção do ambiente e o Plano Diretor de 2006.

Após essas reflexões, considero que a revisão da Legislação Urbanística deve trazer de fato o fim do desprezo. O desprezo à cidadania, à cultura e ao ambiente insular em São Luís. E recomendo que fiquemos atentos na revisão, que virá certamente, se não serão liberadas outras “artes” importantes e contrárias aos interesses dos cidadãos de São Luís.  
Imagino que após a aprovação do Código Florestal, teremos um excelente momento e motivo para verificá-las e suprimí-las (o desprezo e as “artes contrárias”) de uma vez por todas de nossas normas urbanistícas. 

Por Barbara Prado, em Outubro de 2011.