quarta-feira, janeiro 30, 2013

Zonação do Manguezal: Parque Linear do Fumacê

Por Barbara I W Prado


O estudo do conceito de estruturas consolidadas sejam elas vias, loteamentos aprovados, prédios construídos ou situações urbanas especiais têm sido alvo de meu interesse como professora pesquisadora. Tais estruturas, ditas consolidadas, somente o são, no meu entender, até o ponto em que não ofereçam riscos ambientais, ecológicos, econômicos ou culturais para a população. Elas são consolidadas, certamente, pelos diversos interesses de uma sociedade ou de grupo social, conforme o caso. Porém o termo "estruturas consolidadas" tem sido usado quase como uma desculpa, para não se mexer em alguma irregularidade perpetuada ou em algo lucrativo para alguns.

Muitos exemplos podem ser citados, porém aqui se referem aos da estrutura da natureza as quais foram deterioradas pela cultura urbana das nossas cidades e que pode ser transformadas bastando, para isso, uma boa dose de estimulo, bem como, cuidados especiais com a questão da limpeza. Nesta situação urbana especial, incluo hoje o Córrego Fumacê, assim como sua poluição e o descaso com que foi sua ocupação foi gerida.

Fig. Manguezal sendo limpo

O Córrego Fumacê está localizado no bairro do Anjo da Guarda e é um tributário do Rio Bacanga, um dos doze rios, de até 6º grandeza, da Ilha de São Luís do Maranhão. É um córrego que divide parte do bairro e que sofre com as mazelas da falta de zelo, tanto por parte da população, que constrói em áreas inadequadas e que joga lixo no curso do córrego, quanto por parte do poder público que não atua com a responsabilidade ambiental que tem.

Com alagamentos nas casa e com despejo de esgoto "in natura" no córrego é impossível pensar em qualquer ação de cidadania sem passar antes pela limpeza e pela preocupação e consciência de todos com relação aos cuidados com a limpeza e manutenção desse córrego. Não aquela empreendida pelos higienistas do século 19, porém, que diz respeito ao ambiente natural e ao construído e, principalmente, ao cidadão no seu cotidiano.
O Córrego Fumacê, pode ser tomado aqui como modelo para estudo. Considera-se que a partir da limpeza e da manutenção continua dessa limpeza, ele poderá transforma-se num belo parque linear, envolvendo o trabalho e o apoio da população. A criação de parque linear pode partir, por exemplo, da reaplicação da vegetação no local. 
O córrego, hoje poluído, já foi um igarapé saudável com uma vegetação típica de manguezal (mesmo que possa ter sido há muito tempo, já que a história da poluição de São Luís não é nada nova). Técnicos e gestores sabem que as margens dos rios servem para dar vazão às águas provenientes das chuvas. Estudos mais recentes demonstram que nas margens acontece a ciclagem do rio, processo importante onde os nutrientes, do material orgânico levado pela água, se depositam, aumentando a fertilidade, a umidade e proporcionando diversidade vegetal e animal. Boa parte da flora e fauna se situa ao longo das margens vegetadas dos cursos d'água, logo, não devem ser ocupadas por habitações e construções que destruam as margens ou que obstruam a passagem das águas. Apesar de toda margem de rio ser protegida pela legislação ambiental, e em geral se constituir numa Área de Proteção Permanente - APP, nada impede que tais margens, durante o período das secas, sirvam para o lazer e atividades econômicas e ecológicas que não agridam sua flora ou fauna.

Com base na recente aprovação da Lei Federal 12.651/2012, o chamado Código Florestal poderia estimular a formação de um parque linear nesta APP e o replantio de espécies vegetais endêmicas, de nativas e de exóticas não invasoras poderia por em prática o cumprimento de uma lei esquecida. Afinal a lei 12.651/2012 nada mais a nova roupagem da lei que existe desde 1965, Lei 4771/65, que por sinal, em poucas exceções foi cumprida. A nova lei florestal, mesmo com seus erros, "errinhos e errões", como os aponta Sandra Cureau, deve ser cumprida finalmente. Em São Luis o seu descumprimento é um despropósito. Basta comparar-se o que deveria ser protegido e preservado no sistema manguezal e no sistema de rios e nascentes na Bacia do Rio Anil (outro importante rio da Ilha de São Luís) e como se encontram atualmente esses sistemas. Muitas nascentes e igapós foram ignorados, assim como a própria delimitação da Bacia não tem levado em conta as contribuições do Igarapé da Jansen, em quase todo o material cartográfico pesquisado. 

Fig. Plano Participativo da Paisagem da Bacia do Rio Anil, Zoneamento de 1996 
Fonte: Estudos da Disciplina Planejamento da Paisagem, CAU-UEMA, 2012

Muitos rios sequer foram considerados, sendo aterrados ou ocupados. Os estudos do Plano Participativo da Bacia do Anil, que estamos realizando, apontam que estas áreas sofreram fortes pressões da urbanização, tanto pela ocupação espontânea (invasões ou auto-organizações), como pela ocupação planejada (legal).

Fig. Plano Participativo da Paisagem da Bacia do Rio Anil- Simulação Código Florestal
Fonte: Estudos da Disciplina Planejamento da Paisagem, CAU-UEMA, 2012 
Estas áreas não deveriam ser ocupadas por construções, mas poderiam ser ultrapassadas por elevados, pontes e instalações de baixíssimo impacto. Usos adequados para tais áreas seriam a recreação, o extrativismo controlado e o plantio de baixo impacto, consorciando exóticas-não-invasoras e nativas. Todas estas atividades poderiam ocorrer conjuntamente ao longo das faixas de proteção.

Um parque linear não só deve incluir todas estas atividades, como pode formar corredores ecológicos e áreas de drenagem pluvial e controle de assoreamento da bacia, a qual pertence o Córrego Fumacê.

Nada disso que apresento é novo. Os parques lineares, os corredores ecológicos, os estudos de adaptação econômica e ecológica fazem parte de ideias difundidas desde o século 19, por Frederick Law Ostead ( o mesmo arquiteto paisagista que criou o Central Park, no meio da Ilha de Manhattan), ou por Ian Mac Harg nos anos 60, ou ainda Anne Spirn nos anos 90. E, mais recentemente, por todos os arquitetos paisagistas com formação acadêmica voltada à ecologia da paisagem.

O Córrego Fumacê pode ser devolvido à sua função ecológica e colaborar para o desenvolvimento das comunidades próximas (porém fora do recuo que o leito do córrego pede para funcionar). O parque linear do Fumacê pode começar com o replantio orientado de espécies de mangue que precisa respeitar as melhores situações da relação solo/água.

Fig. Manguezal
Fonte: jornal virtual

Limites do manguezal que não se restringem a floresta de mangue ou a lama, mas ao conjunto ecossistêmico destes. Com as faixas de mangue vermelho, preto e branco indo do terreno inundado ao seco e arenoso, respectivamente. Replantar a Rhizophora mangle (mangue vermelho) nos terrenos lamosos inundáveis, a Avicennia germinans ou Avicennia shaueriana (mangue preto) na faixa entre a terra firme e a água e a Laguncuria racemosa (mangue branco) no bordo da terra firme, onde os animais mais comuns do ecossistema manguezal podem voltar a frequentar, como os caranguejos (conforme ensinaram nossos biólogos). Também podem ainda ser replantadas as complementares do manguezal como: o bredo-do-mangue (Sesuvium portulacastrum), o cipó- de- mangue (Rhabidadenia biflora), junquinho (Eleocharis geniculalata), samambaia-açú (Acrostichim aureum).

Fig. Rascunhos para o parque.
Fonte: Barbara I W Prado,013 

Poderiam fazer parte do parque paisagístico frutíferas e espécies de origem secundária e de Igapó, respeitando a relação solo/água mais favorável para seu desenvolvimento, tais como: angelim (oferece boa sombra), anhinga (terreno lamoso), arçaranduba, ariri, babaçu (terreno seco), bananeira (imprópria em barrancos ou perto deles), bacaba, bacuri, buriti-ingá, a chanana (por ser tóxica deve ser plantada em local sem acesso), goiabeira, guanandi, imbaúba, juçara, jurubeba, piqui, taja, tucum, etc,
A orientação do replantio pode e deve prescindir do apoio das universidades locais, especificas como dos Departamento de Arquitetura e de Agronomia da UEMA e de Ciências do Mar e de Economia da UFMA, entre outros ligados à recuperação do ecossistema manguezal e da economia local.

  1. mangue vermelho (Rhizophora mangle, Linnaeus) vive na lama e cresce até 15 metros.
  2. mangue siriba (Avicennia schaueriana e A. germinans) vive em solo firme de áreas inundáveis e de salinidade alta, crescendo até 15 metros.
  3. mangue branco (Lagunculária racemosa, Gaeth) vive em solo firme e cresce até 12 metros, sendo um dos alimentos dos caranguejos.
  4. mangue botão (Conocarpus erecta) que vive nas dunas próximas ao mangue.
Fig. Limites do Manguezal e sua Zonação.
Fonte: Desenho de Barbara I W Prado, 2013 

Concluindo é preciso salientar que a zonação do mangue representa as territorialidades vegetais e faunísticas conforme solo, umidade e inundação. Portanto no ecossistema de manguezal inclui-se toda a vegetação, fauna, lama, águas, vidas. Isto significa, em nosso entender, que no mapeamento do manguezal não se pode representar apenas a floresta de mangue, como foi verificado nos mapeamentos oficiais do município, como "Plano da Paisagem de São Luís" e o "São Luís uma leitura da cidade", mas em toda a área que perfaz o conjunto sistêmico do manguezal. 
Da mesma forma, compreender o que um manguezal e o mangue distintamente permite nortear a tomada de decisão para os projetos de urbanismo e de conservação ambiental.

Profa. Dra. Barbara Irene Wasinski Prado
Revisão Geral: Profa. Dra. Sônia Acosta Martins em 24/02/2013

Quer citar este blog? 
PRADO, Barbara Irene Wasinski. Zonação do Manguezal: Parque Linear do Fumacê. Blog Paisagens. Disponível em: http://basiaprado.blogspot.com.br/2013/01/o-parque-linear-do-fumace.html   Acessado em: ( aí você aplica a data em que leu o blog)



terça-feira, janeiro 01, 2013

Algumas razões da falta de urbanidade em São Luís

Por Barbara Prado
O texto foi escrito originalmente em 1 de fevereiro de 2011 e revisado em seu segundo aniversário!

Gosto muito do David Harvey, que é um geógrafo importante na discussão contemporânea da cultura urbana. Ele aponta que a fome especuladora é propriamente uma prática de um modelo econômico que constrói não importando onde, e ainda sem pretender uma construção compatível com a cultura ou com o ambiente onde se implanta. Quer conhecer a paisagem de uma cidade, leia suas leis.

A urbanização de São Luís do Maranhão parece bem se enquadrar nesta "fome especuladora", sem noção da cultura e do ambiente local. O mercado vai construindo imóveis, alias com total alienação do que é técnico e ambientalmente razoável,  formando uma cidade que mais se parece com um depósito de mercadorias de morar. E mercadorias tais, que muitas vezes nem sequer são habitáveis. O que podemos notar ao longo de décadas é que, lamentavelmente, a gestão pública do município de São Luís tem sido relegada à especulação imobiliária e aos interesses dos especuladores. Muitos destes depósitos de morar se aglomeram numa modalidade urbana bastante difundida que são os condomínios horizontais.

Em 2005, o então prefeito de São Luís, por força do movimento especulador, decretou a Lei de Condomínios por Unidades Autônomas de Casas. Em minha interpretação, essa foi uma ação abusiva e equivocada do gestor público, em pelo menos dois aspectos: o primeiro porque, mesmo sendo do Município o direito e o dever de regular o território, não há porque exorbitar e ainda ofender os preceitos da Constituição Federal, do Código Civil, da Lei dos Condomínios e das leis ambientais brasileiras, como constatou-se. A lei municipal dos Condomínios apresentou ainda ignorância de uma norma técnica, como a NBR 9050/2004, que trata de acessibilidade. (Sobre a Lei de Condomínios por Unidades Autônomas ofender os preceitos da Constituição Federal, do Código Civil, da Lei dos Condomínios e das leis ambientais brasileiras e NBR 9050/2004, leia nota com este título no blog).
Quanto ao texto da Lei de Condomínios por Unidades Autônomas de Casas, cabe observar que o texto procura inventar novos conceitos para os termos gleba e lote e com isso passa a admitir parcelamentos "imparceláveis". Inventa também o termo "testadas de condomínio", uma vez que testada, que se refere ao lote conforme a Lei Delegada Nº 33/1976, não se aplica a esta nova modalidade. O texto apresenta um adaptação confusa de condomínio de edificações para condomínio de lotes. Com isso inventa uma variacao que não é mais gleba e também não é mais o lote.

Em 2006, novamente os aspectos especulativos foram liberados na revisão do plano diretor de 92 e do maquiado de 1996. Ao invés de reformularem os aspectos lamentáveis, que hoje ainda mantém a cidade em condição de urbanidade péssima, os perpetuaram e os asseveraram. Agora os prédios podem ficar mais altos, podem ter áreas maiores impermeabilizadas e, é claro, continuar com as tais "garagens tipo" não  computadas no ATME.

A ATME - área total máxima edificada é em São Luís invariavelmente “confundida erroneamente” com Gabarito (altura da edificação) já há muito tempo. E sorrateiramente aumentar a capacidade construtiva do terreno. Mesmo que essa confusão propositada já contrariasse os preceito da lei de 1992, de 1996 e ainda da atual, hoje ela vigor e ainda atropela a própria Lei Orgânica do Município, que prega melhor qualidade de vida ao seus cidadãos e proteção do ambiente.
Observe-se que precisamos ficar atentos, pois esta lei - Lei Orgânica do Município - que é o coração e a alma de um município está para ser alterada em breve.

Quanto a "confusão" mencionada a pouco, eu explico como ela acontece: um prédio, por exemplo, pode ter um pavimento tipo, cuja projeção é 100 m2. Se esse prédio tiver 10 andares chegaria a 1000 m2 e a uma altura por volta de 30 metros. Mas com os tais pavimentos-garagem excluídos da conta, podem fazer chegar o prédio a 15 andares e todo o térreo e subsolo pode ser impermeabilizado. Basta enfeitar com uns jardins sobre laje, para quem não é da área do paisagismo, é uma ação cosmética para "amenizar emocionalmente" a impermeabilidade dos solos. Particularmente, considero mais eficientes os jardins sobre lajes nas coberturas dos edifícios e não nos térreos.

Quanto à acessibilidade e condições sanitárias da cidade, por exemplo, podem ser lidas na lei municipal. Ou seja, podemos observar a paisagem desenhada e concebida na lei municipal. Uma paisagem de ruas e calçadas inacessíveis e uma grande população usufruindo de uma cidade com péssimas condições de salubridade. E enquanto nossos cidadãos não relacionam tais fatos e situações às leis municipais (tais como a lei do plano diretor ou a lei de usos e ocupação dos solos), não se  dá conta e não se mobiliza reivindicando o ajuste das leis.

Não conseguir caminhar pelas calçadasde São Luí, por exemplo, ou sentir a falta de sombra de árvores nas ruas para proteger-nos do sol, ou conviver com a presença do esgoto escorrendo pelo meio da rua são situacoes do dia-a-dia. E como podem estar relacionados com a lei tais fatos e situações?

Muitos cidadãos até acreditam que sua situação cidadã inefetiva se dá por falta de leis. Outros por falta de fiscalização das leis que já existem. Mas não é assim que entendemos que acontece. A falta da cidadania nas formas urbanas de São Luís, está decretada pela própria lei. Consideremos o artigo 180 da Lei de Uso e Ocupação dos Solos de São Luís, Lei 3.253, de 29 de Dezembro de 1992. O teor deste  artigo é tão cruel que, conceitualmente define calçamento como obrigação do empreendedor. Não é a construção de calçadas e passeios, mas calçamento da via e meio-fio, que é estrutura de uma pavimentação de via. Pior ainda, o artigo 180 define paisagismo obrigatório apenas para aprovação de assentamentos com mais de 2000 unidades habitacionais. E o esgotamento sanitário, este nem sequer é uma obrigação. O resumo do Art. 180 fica assim;    

para 100 unidades o empreendedor deve prover: Habitação, Arruamento, Calçamento, Meio-fio, Infra-estrutura coletiva de drenagem / água / luz;  
para 400 unidades deve prover: Habitação, Arruamento, Calçamento, Meio-fio, Infra-estrutura coletiva de drenagem / água / luz, Equipamento de lazer e recreação/ Saúde e/ou educação;  
para 2000 unidades deve prover: Habitação, Arruamento, Calçamento, Meio-fio, Infra-estrutura coletiva de drenagem / água / luz, Equipamento de lazer e recreação/ Saúde e educação, Paisagismo e; finalmente
para mais de 2000 unidades deve prover:, Habitação, Arruamento, Calçamento, Meio-fio, Infra-estrutura coletiva de drenagem / água / luz, Equipamento de lazer e recreação/ Saúde e educação/ cultura/transporte, Equipamentos institucionais, e Paisagismo.

Com essas facilidades legais, a maioria dos projetos é aprovada em pequenas parcelas, menores que 100 e 200 unidades. Com esta exposição, podemos entender claramente que paisagem urbana está concebida e implícita na lei. Uma lei que admite que haja sob nossos pés esgoto correndo, que admite legalmente que tenhamos andar pelo meio da rua, pois nos faltam calçadas e passeios, ou as que temos são vergonhosamente inacessíveis. E as árvores, ah... essas então são quaisquer que o incauto morador queira colocar na rua, mesmo não sendo a árvore tecnicamente adequada.

Na revisão do Plano Diretor de 2006, o que foi trazida de fato foi a continuidade do desprezo à cidadania dos habitantes de São Luís, e o desprezo ou ignorância de uma cultura do ambiente insular (trato desta cultura em outros textos).

Recomendo aos meus leitores que procurem ler com muita atenção a lei revisada e as outras criadas (ou inventadas) mais recentemente, para observar se não foram liberadas outras “artes harveyanas” inversas aos interesses dos habitantes de São Luís. E principalmente se ainda continuam perpetuando aquelas que asseguram à falta de urbanidade de nossos cidadãos.



Calçada de Avenida: Não se pode caminhar!

Calçada de Rua: não existe!

Cadê a rua?

Cadê a cidade?