terça-feira, janeiro 01, 2013

Algumas razões da falta de urbanidade em São Luís

Por Barbara Prado
O texto foi escrito originalmente em 1 de fevereiro de 2011 e revisado em seu segundo aniversário!

Gosto muito do David Harvey, que é um geógrafo importante na discussão contemporânea da cultura urbana. Ele aponta que a fome especuladora é propriamente uma prática de um modelo econômico que constrói não importando onde, e ainda sem pretender uma construção compatível com a cultura ou com o ambiente onde se implanta. Quer conhecer a paisagem de uma cidade, leia suas leis.

A urbanização de São Luís do Maranhão parece bem se enquadrar nesta "fome especuladora", sem noção da cultura e do ambiente local. O mercado vai construindo imóveis, alias com total alienação do que é técnico e ambientalmente razoável,  formando uma cidade que mais se parece com um depósito de mercadorias de morar. E mercadorias tais, que muitas vezes nem sequer são habitáveis. O que podemos notar ao longo de décadas é que, lamentavelmente, a gestão pública do município de São Luís tem sido relegada à especulação imobiliária e aos interesses dos especuladores. Muitos destes depósitos de morar se aglomeram numa modalidade urbana bastante difundida que são os condomínios horizontais.

Em 2005, o então prefeito de São Luís, por força do movimento especulador, decretou a Lei de Condomínios por Unidades Autônomas de Casas. Em minha interpretação, essa foi uma ação abusiva e equivocada do gestor público, em pelo menos dois aspectos: o primeiro porque, mesmo sendo do Município o direito e o dever de regular o território, não há porque exorbitar e ainda ofender os preceitos da Constituição Federal, do Código Civil, da Lei dos Condomínios e das leis ambientais brasileiras, como constatou-se. A lei municipal dos Condomínios apresentou ainda ignorância de uma norma técnica, como a NBR 9050/2004, que trata de acessibilidade. (Sobre a Lei de Condomínios por Unidades Autônomas ofender os preceitos da Constituição Federal, do Código Civil, da Lei dos Condomínios e das leis ambientais brasileiras e NBR 9050/2004, leia nota com este título no blog).
Quanto ao texto da Lei de Condomínios por Unidades Autônomas de Casas, cabe observar que o texto procura inventar novos conceitos para os termos gleba e lote e com isso passa a admitir parcelamentos "imparceláveis". Inventa também o termo "testadas de condomínio", uma vez que testada, que se refere ao lote conforme a Lei Delegada Nº 33/1976, não se aplica a esta nova modalidade. O texto apresenta um adaptação confusa de condomínio de edificações para condomínio de lotes. Com isso inventa uma variacao que não é mais gleba e também não é mais o lote.

Em 2006, novamente os aspectos especulativos foram liberados na revisão do plano diretor de 92 e do maquiado de 1996. Ao invés de reformularem os aspectos lamentáveis, que hoje ainda mantém a cidade em condição de urbanidade péssima, os perpetuaram e os asseveraram. Agora os prédios podem ficar mais altos, podem ter áreas maiores impermeabilizadas e, é claro, continuar com as tais "garagens tipo" não  computadas no ATME.

A ATME - área total máxima edificada é em São Luís invariavelmente “confundida erroneamente” com Gabarito (altura da edificação) já há muito tempo. E sorrateiramente aumentar a capacidade construtiva do terreno. Mesmo que essa confusão propositada já contrariasse os preceito da lei de 1992, de 1996 e ainda da atual, hoje ela vigor e ainda atropela a própria Lei Orgânica do Município, que prega melhor qualidade de vida ao seus cidadãos e proteção do ambiente.
Observe-se que precisamos ficar atentos, pois esta lei - Lei Orgânica do Município - que é o coração e a alma de um município está para ser alterada em breve.

Quanto a "confusão" mencionada a pouco, eu explico como ela acontece: um prédio, por exemplo, pode ter um pavimento tipo, cuja projeção é 100 m2. Se esse prédio tiver 10 andares chegaria a 1000 m2 e a uma altura por volta de 30 metros. Mas com os tais pavimentos-garagem excluídos da conta, podem fazer chegar o prédio a 15 andares e todo o térreo e subsolo pode ser impermeabilizado. Basta enfeitar com uns jardins sobre laje, para quem não é da área do paisagismo, é uma ação cosmética para "amenizar emocionalmente" a impermeabilidade dos solos. Particularmente, considero mais eficientes os jardins sobre lajes nas coberturas dos edifícios e não nos térreos.

Quanto à acessibilidade e condições sanitárias da cidade, por exemplo, podem ser lidas na lei municipal. Ou seja, podemos observar a paisagem desenhada e concebida na lei municipal. Uma paisagem de ruas e calçadas inacessíveis e uma grande população usufruindo de uma cidade com péssimas condições de salubridade. E enquanto nossos cidadãos não relacionam tais fatos e situações às leis municipais (tais como a lei do plano diretor ou a lei de usos e ocupação dos solos), não se  dá conta e não se mobiliza reivindicando o ajuste das leis.

Não conseguir caminhar pelas calçadasde São Luí, por exemplo, ou sentir a falta de sombra de árvores nas ruas para proteger-nos do sol, ou conviver com a presença do esgoto escorrendo pelo meio da rua são situacoes do dia-a-dia. E como podem estar relacionados com a lei tais fatos e situações?

Muitos cidadãos até acreditam que sua situação cidadã inefetiva se dá por falta de leis. Outros por falta de fiscalização das leis que já existem. Mas não é assim que entendemos que acontece. A falta da cidadania nas formas urbanas de São Luís, está decretada pela própria lei. Consideremos o artigo 180 da Lei de Uso e Ocupação dos Solos de São Luís, Lei 3.253, de 29 de Dezembro de 1992. O teor deste  artigo é tão cruel que, conceitualmente define calçamento como obrigação do empreendedor. Não é a construção de calçadas e passeios, mas calçamento da via e meio-fio, que é estrutura de uma pavimentação de via. Pior ainda, o artigo 180 define paisagismo obrigatório apenas para aprovação de assentamentos com mais de 2000 unidades habitacionais. E o esgotamento sanitário, este nem sequer é uma obrigação. O resumo do Art. 180 fica assim;    

para 100 unidades o empreendedor deve prover: Habitação, Arruamento, Calçamento, Meio-fio, Infra-estrutura coletiva de drenagem / água / luz;  
para 400 unidades deve prover: Habitação, Arruamento, Calçamento, Meio-fio, Infra-estrutura coletiva de drenagem / água / luz, Equipamento de lazer e recreação/ Saúde e/ou educação;  
para 2000 unidades deve prover: Habitação, Arruamento, Calçamento, Meio-fio, Infra-estrutura coletiva de drenagem / água / luz, Equipamento de lazer e recreação/ Saúde e educação, Paisagismo e; finalmente
para mais de 2000 unidades deve prover:, Habitação, Arruamento, Calçamento, Meio-fio, Infra-estrutura coletiva de drenagem / água / luz, Equipamento de lazer e recreação/ Saúde e educação/ cultura/transporte, Equipamentos institucionais, e Paisagismo.

Com essas facilidades legais, a maioria dos projetos é aprovada em pequenas parcelas, menores que 100 e 200 unidades. Com esta exposição, podemos entender claramente que paisagem urbana está concebida e implícita na lei. Uma lei que admite que haja sob nossos pés esgoto correndo, que admite legalmente que tenhamos andar pelo meio da rua, pois nos faltam calçadas e passeios, ou as que temos são vergonhosamente inacessíveis. E as árvores, ah... essas então são quaisquer que o incauto morador queira colocar na rua, mesmo não sendo a árvore tecnicamente adequada.

Na revisão do Plano Diretor de 2006, o que foi trazida de fato foi a continuidade do desprezo à cidadania dos habitantes de São Luís, e o desprezo ou ignorância de uma cultura do ambiente insular (trato desta cultura em outros textos).

Recomendo aos meus leitores que procurem ler com muita atenção a lei revisada e as outras criadas (ou inventadas) mais recentemente, para observar se não foram liberadas outras “artes harveyanas” inversas aos interesses dos habitantes de São Luís. E principalmente se ainda continuam perpetuando aquelas que asseguram à falta de urbanidade de nossos cidadãos.



Calçada de Avenida: Não se pode caminhar!

Calçada de Rua: não existe!

Cadê a rua?

Cadê a cidade?




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