segunda-feira, agosto 10, 2009

PAISAGISMO: O que há por trás da idéia de beleza?

INTRODUÇÃO

Quando se ouve falar sobre paisagismo a primeira noção que ocorre (e que parece não tecer dúvida) é a de que é de plantas e jardins que se fala. No entanto, não é bem assim. Essa “coisa de paisagismo” tem haver com a paisagem e ela não é só a verdura. O paisagismo é uma tansformação.
Podemos entedender seu sentido etimologicamente. O termo com significado de paisagem já foi citado até nas escrituras (GOMES,2002). Ele pode ter sido introduzido pelos romanos na Gália no século I aC. e era utilizado pelos romanos para designar os espaços agrícolas dos paganus (também origem para pagãos) habitantes da Gália. O termo assim era formado a partir de duas palavras: “pagus” que significa campo (1) e “aticum” que designa coleção (2) (AQUINO,1980).  
Os paganus possuíam uma agricultura peculiar e compunham sociedades aristocráticas de gauleses unidas somente pela língua e religião. Nessas sociedades, os pais das famílias, detinham total autoridade e se associavam à outros chefes de família, compondo tribos que formavam um agrupamento político essencial e ao mesmo tempo uma unidade geográfica. Certamente descreviam um exemplo de associativismo e cooperativismo para a construção de uma paisagem. Pode-se compreender também que eram um exemplo da identidade de lugar. Para os romanos os “paganus” se diferenciavam dos “urbanus” que viviam nas cidades e também dos “montanus” que viviam nas montanhas. Eram denominados equivocadamente pelos romanos de bárbaros germânicos por resistirem ferrenhamente a sua dominação (3) (AQUINO,1980). 

Etimologia à parte, pagus representava uma paisagem de desejo para os romanos e um esconderijo seguro para os paganus, pois era nos pagus que eles se escondiam com a chegada dos romanos em suas terras. Compreendemos que paisagismo foi também uma prática social e cultural que inscrevia a identidade do lugar não só pela forma do plantio ou pelo arranjo  espacial, mas também pela mensagem implícita da identidade do povo que se impunha a uma paisagem por sua cultura
Na evolução dos termos ao longo do tempo paisagismo se funde com duas palavras: paisagem e ismo (BUENO, 1974)
Assim a primeira representa para nós a materialidade do espaço em si e a segunda representa a ação, movimento ou mesmo conformação e ajuntamento. Juntas representam paisagem explicitando que em sua dinâmica a transformação tanto ocorre pela ação dos homens como pela ação da natureza. Elas estao presentes e permanentes na paisagem, mas esta última é mais lenta que a ação dos homens, ao longo do tempo. Em geral a ação da Natureza é mais notada quando ocorrem os cataclismos naturais, transformando a paisagem pelos terremotos, vulcões, ciclones ou maremotos, entre tantos outros fenômenos (que por sorte, quase não os temos por aqui no Brasil). Já as transformações causadas pela ação do homem, especialmente em nosso país, estas certamente superam em muito alguns cataclismos naturais. É sobre tais transformações que discutiremos neste texto, a respeito do paisagismo que transforma nem sempre para melhor. Discutiremos o sentido dessa palavra que é a paisagem e como ela tem tudo a ver com nossa vida e jeito de sermos.

PAISAGEM E IDENTIDADE

Importante lembrar que paisagem é vida, e, portanto, diferente de cenário que é simulação. 
Uma identidade explícita permite que reconheçamos as paisagens dissimilares de acordo com Zukin (2000). Elas apresentam formas e arranjos diferenciados, apesar de conterem às vezes os mesmos elementos de outros espaços, como o solo, a água, a fauna, a flora, as construções e os seres humanos. Mesmo que todos esses elementos estejam presentes em determinados espaços, ainda assim se diferenciam por formarem novos arranjos e novas formas e por isso revelam um caráter, uma identidade. 
E é ai que entra a questão que se coloca no título desse artigo - Paisagismo: o que há por trás da idéia de beleza? 
Se Paisagismo implica na transformação, não se formula apenas pelo aspecto estético, mas também pelo aspecto ético de uma sociedade. 
Essa concepção pode ser aproximada da trilogia - beleza - solidez – utilidade – (Vitruvius), ou para ser mais específica, da estética, ética e moral (no sentido estrito das palavras). Com essa reflexão, talvez possamos romper agora com o paradigma do paisagismo, em sendo apenas fazer um jardim bonito, até porque um jardim bonito, qualquer pessoa ou qualquer jardineiro pode fazer, basta que saibam alimentar bem as plantas e que tenha amor pelo que faça, e ainda assim regado pelo conhecimento, mesmo que empírico. 
O paisagismo enquanto ciência é mais que fazer jardim. É transformação da paisagem no sentido macro, é o espaço criado pelo homem e que interage e interfere na vida de outras espécies, como também na vida de outros homens. O paisagismo, como técnica de transformação da vida dos homens (preferivelmente para melhor), é o nosso foco central. Assim falaremos sobre a seara dos arquitetos e urbanistas, na qual se evidenciará o dilema de nossa atualidade e contexto. Como durante muito tempo a paisagem tem sido estudada pela geografia muito mais que pelos arquitetos e urbanistas que a transformam, entender essa questão é fundamental, pois é ai que se revela o real valor do paisagismo enquanto ciência. Mas que novas paisagens construir e quais paisagens preservar? No contexto ludovicense, que práticas adotar? Deixar que dunas, igarapés e mangues sejam preservados? Ou deixar que sejam destruídos, para depois serem recriados por simulação da natureza devidamente urbanizados? E que modelos de paisagem usaremos para a Ilha de São Luís? O modelo de Barcelona, o de Brasília, de Salvador, do Rio de Janeiro, da Disneylândia ou da própria São Luís? A vontade com tantos questionamentos basta que lembremos que a prática em São Luís tem sido a do processo destrutivo precedente ao construtivo, com base em modelos importados, por vezes exatamente ao modelo original. Não é xenofobia, é ecologia. Considero que na questão ambiental a importação de modelos que simplesmente não correspondem ao contexto local, precisam de suporte em pesquisa local, devendo ser cuidadosamente analisados e avaliados em relação a sua correspondência com realidade local. A humildade de apreender com os exemplos de outros, não pode ser superveniente. Copiar não é coisa muito sábia, como diz Milton Santos, copiar é coisa dos bichos (Santos, 1998). Como se está transformando a Ilha de São Luís (MA) talvez cheguemos ao estágio de 100% de paisagem cons(des)truída, tal como a “adorada e difundida” Manhattan em Nova York e incluindo aí nessa fantasia o Central Park, que algum dia foi “feio, sujo e mal cheiroso” , como alguns ainda pensam dos mangues daqui. Os mangues de lá que foram “belamente qualificados” com extensos aterros gramados e arborizados, tais como os pastos ingleses. Tal como as cabras pastando alegremente para manter os gramados sempre aparados foram uma condição insustentável, também os tapete gramados o são. Guardadas as devidas proporções econômicas e deixando de lado essa história de que tudo que vem de lá é lindo, lembremos que o que é feio aqui, não é a paisagem natural (que por sinal é muito bela). O que é feio aqui é o paisagismo construído com base na perpetuação da desordem e na falta de educação cidadã. São Luís não é um outro lugar e nem é formado por outra gente, por outra fauna ou por outra flora. 
É uma Ilha com 96,7% de população urbana, que não deve mais aterrar mangues e igarapés, nem tampouco construir nas dunas. 
Em São Luís o “Paisagismo bonito” é aquele que se faz da cidadania. Que faz a rua, mas não poupa a calçada. Que faz a calçada e não poupa o passeio do percurso livre e sem obstáculos. Que faz o caminho, dos muitos que andam a pé, sombreado e seguro. Que planta aquilo que as aves e os insetos daqui podem comer para se reproduzir. Que conserva homem e natureza, mas em condição de mesma importância. 
Concluindo esta reflexão de que aqui em São Luís o paisagismo tem que ter modelo próprio ou apropriado, desenvolvido para seu contexto, discutido por sua sociedade, posto em consulta ,explicado e esclarecido sempre
Este sim é o paisagismo da beleza, que por trás dispõe a ética de sua sociedade, produzindo o paisagismo-não-jardim, mas sim o paisagismo-paraíso-de-sua-gente. 

Notas:

1 - pagus” - significa campo - plantação - e lugar onde viviam os paganus, camponeses da Gália.
2 - palavra essa que evoluiu para “agem” no século XVI.


Fácil lembrar que estamos falando de personagens muito conhecidos como Asterix, Obelix, Magestix e outros, que defendiam seus campos e terras dos romanos interessados em alimentar seus exércitos para novas conquistas. Com um pouco de imaginação podemos até pensar no obelisco que carrega Obelix, como sendo a simbologia da resistência da cultura dos gauleses e a poção preparada por Magestix, como a identidade e força do povo que é despertada, conforme a sua ingestão.
Referências:



AQUINO, Rubin Santos Leão de; FRANCO, Denise de Azevedo; 
LOPES, Oscar Guilherme Pahl Campos. História das Sociedades Medievais, Comunidades Primitivas. Rio de Janeiro: ao Livro Técnico, 1980. 
PRADO, Barbara I. Wasinski. A Ponta D’Areia na São Luis do Maranhão: as formas e os arranjos da paisagem em transformação. Dissertação (Mestrado) – MDU/UFPE. Recife: UFPE, jul.2002.150 p.  
SANTOS, Milton. O Espaço Cidadão 1.ed. São Paulo: Hucitec, 1998.  

ZUKIN, Sharon. Paisagens urbanas pós-modernas: mapeando cultura e poder.In O espaço da diferença / ARANTES, Antonio A..(Org.) Campinas: Papirus, 2000. p.80-103

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